sexta-feira, 18 de março de 2011

Jorge Luís Borges # James Joyce


Num dia do homem estão os dias
do tempo, desde aquele inconcebível
dia inicial do tempo, em que um terrível
Deus prefixou os dias e agonias,
até esse outro em que o ubíquo rio
do tempo terreal retorne à fonte
do Eterno, e que se apague no presente,
o ontem, o futuro, o que ora é meu.
Entre a alba e a noite se situa a história
universal. Assim, de noite vejo
a meus pés os caminhos do hebreu,
Cartago aniquilada, Inferno e Glória.
Dá-me, Senhor, a coragem e alegria
para escalar o pico deste dia.

(in "Nova Antologia Pessoal" de Jorge Luís Borges)

Fragmentos do Acaso


Sem gravidade flutuam
Estilhaços de um espelho
E cada parte reflecte
Um fragmento do acaso.

Giram dando a impressão
De serem um universo
E são, de certo, mil vezes,
A expressão original

De uma parte perdida
A se olhar eternamente
Ali, imagem para sempre,
Como se fosse real.

E menos se vê no mundo
E no mundo só se vê.
Entérica alegria
Buscando a rima vazia

De não ser, só parecer.

(Poema Fragmento do Acaso de Ivan Marinho)

quinta-feira, 17 de março de 2011

O Nó Laço


Quando a escuridão é invadida por uma ténue luz, o nó deixa de ser ser cego e passa a ser laço...

terça-feira, 15 de março de 2011

Hey You

Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.

À sombra de ampla árvore fitavam
O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversário.
Um púcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.

Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas...
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.

Inda que nas mensagens do ermo vento
Lhes viessem os gritos,
E, ao refletir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
Nessa distância próxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,
Breve seus olhos calmos
Volviam sua atenta confiança
Ao tabuleiro velho.

Quando o rei de marfim está em perigo,
Que importa a carne e o osso
Das irmãs e das mães e das crianças?
Quando a torre não cobre
A retirada da rainha branca,
O saque pouco importa.
E quando a mão confiada leva o xeque
Ao rei do adversário,
Pouco pesa na alma que lá longe
Estejam morrendo filhos.

Mesmo que, de repente, sobre o muro
Surja a sanhuda face
Dum guerreiro invasor, e breve deva
Em sangue ali cair
O jogador solene de xadrez,
O momento antes desse
(É ainda dado ao cálculo dum lance
Pra a efeito horas depois)
É ainda entregue ao jogo predileto
Dos grandes indif'rentes.

Caiam cidades, sofram povos, cesse
A liberdade e a vida.
Os haveres tranqüilos e avitos
Ardem e que se arranquem,
Mas quando a guerra os jogos interrompa,
Esteja o rei sem xeque,
E o de marfim peão mais avançado
Pronto a comprar a torre.

Meus irmãos em amarmos Epicuro
E o entendermos mais
De acordo com nós-próprios que com ele,
Aprendamos na história
Dos calmos jogadores de xadrez
Como passar a vida.

Tudo o que é sério pouco nos importe,
O grave pouco pese,
O natural impulso dos instintos
Que ceda ao inútil gozo
(Sob a sombra tranqüila do arvoredo)
De jogar um bom jogo.

O que levamos desta vida inútil
Tanto vale se é
A glória, a fama, o amor, a ciência, a vida,
Como se fosse apenas
A memória de um jogo bem jogado
E uma partida ganha
A um jogador melhor.

A glória pesa como um fardo rico,
A fama como a febre,
O amor cansa, porque é a sério e busca,
A ciência nunca encontra,
E a vida passa e dói porque o conhece...
O jogo do xadrez
Prende a alma toda, mas, perdido, pouco
Pesa, pois não é nada.

Ah! sob as sombras que sem qu'rer nos amam,
Com um púcaro de vinho
Ao lado, e atentos só à inútil faina
Do jogo do xadrez
Mesmo que o jogo seja apenas sonho
E não haja parceiro,
Imitemos os persas desta história,
E, enquanto lá fora,
Ou perto ou longe, a guerra e a pátria e a vida
Chamam por nós, deixemos
Que em vão nos chamem, cada um de nós
Sob as sombras amigas
Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez
A sua indiferença.

Ricardo Reis, poema "Os Grandes Indiferentes" in "Odes" 

sexta-feira, 11 de março de 2011

Longe de Mim em Mim Existo


Longe de mim em mim existo 
À parte de quem sou, 
A sombra e o movimento em que consisto.

(Poema de Fernando Pessoas)

A Angústia

Ah! A angústia, a raiva vil, o desespero  
De não poder confessar 
Num tom de grito, num último grito austero  
Meu coração a sangrar!
Falo, e as palavras que digo são um som sofro, e sou eu.
Ah! Arrancar à música o segredo do tom
Do grito seu!
Ah! Fúria de a dor nem ter sorte em gritar,
De o grito não ter
Alcance maior que o silêncio, que volta, do ar
Na noite sem ser! 

(Poema "Ah! A angústia, a raiva vil, o desespero" de Fernando Pessoa)

A Luz

Momentos há em que nada mais existe. Nada mais nos resta. 
Apenas o silêncio ensurdecedor da ausência do discernimento.
É então que o ruído cíclico das pás do moinho de luz se começa a fazer ouvir.
A luz, essa, começa a ganhar formas indecifráveis na negritude da caverna.
A abstracção dos fragmentos explode e desenrolam-se lutas indescritíveis.
Chega a batalha final que anuncia a vitória da luz sobre as trevas.
É o momento de dizer basta... basta de tanta escuridão... basta de tanto silêncio!!!
Escaqueirem-se as portas... deixem-na entrar...
Porque amanhã é um novo dia...